Por que falar pode ser tão poderoso para transformar o que sentimos?
- Micael Faccio
- 17 de mai.
- 3 min de leitura

Você já parou para pensar no impacto que uma simples conversa pode ter na sua vida?
Não estamos falando de um bate-papo qualquer, mas daquele momento em que você consegue colocar em palavras o que está guardado no peito, uma angústia, um medo ou um pensamento confuso. É exatamente isso que acontece na terapia, especialmente na abordagem psicanalítica, onde a fala se torna a chave para abrir portas que nem sabíamos que estavam trancadas.
No dia a dia, muitas vezes tentamos desabafar com amigos ou familiares, mas nem sempre encontramos o alívio que buscamos. Isso acontece porque as pessoas próximas, por mais que nos amem, fazem parte do mesmo ambiente que ajudou a formar quem somos, nossos pensamentos, emoções e comportamentos.
Elas estão inseridas na mesma dinâmica que moldou nosso psiquismo, o que limita sua capacidade de enxergar nossas questões de forma imparcial.
É como tentar entender um sistema estando dentro dele. Só conseguimos enxergar suas engrenagens com clareza quando olhamos de fora. Além disso, por estarem tão envolvidas emocionalmente, essas pessoas podem oferecer conselhos precipitados, tentar resolver o problema ou, sem querer, julgar o que dizemos. E, vamos ser honestos, às vezes nós mesmos hesitamos em nos abrir, com medo de sermos mal interpretados. É aí que a terapia entra como um espaço único.
Na terapia, especialmente na psicanálise, a fala é mais do que um desabafo. É uma ferramenta poderosa. O terapeuta cria um ambiente seguro, onde você pode falar sem receio de ser criticado ou de ter suas palavras distorcidas.
Tudo o que você diz é protegido pelo sigilo, e o terapeuta, por estar fora do sistema que formou seu psiquismo, oferece uma perspectiva neutra e externa. Ele não está lá para dar opiniões pessoais ou soluções prontas, mas para escutar com atenção e usar técnicas específicas que ajudam a explorar o que está por trás das suas palavras e conteúdos que você não percebe que estão te afetando.
Um dos aspectos mais poderosos da terapia é o vínculo terapêutico, que é construído do zero entre você e o terapeuta. Esse relacionamento, diferente dos laços familiares ou sociais, não carrega os vieses do seu passado.
Por isso, ele permite que o terapeuta reconheça e trabalhe com os pontos de transferência. Aqueles momentos em que você projeta no terapeuta sentimentos, expectativas ou padrões aprendidos nas suas relações anteriores.
A transferência é como um mapa das suas necessidades de conexão: ela revela como você se relaciona com os outros, sempre usando o modelo que aprendeu ao longo da vida para entrar em novas relações sociais. Ao identificar esses padrões, o terapeuta pode te ajudar a entendê-los e, se necessário, transformá-los, abrindo espaço para formas mais saudáveis de se conectar.
Algumas pessoas criticam a psicanálise, dizendo que é “só conversa” e que não resolve nada.
Mas essa visão não capta o que realmente acontece. Quando você fala em um ambiente terapêutico, não está apenas soltando palavras ao vento. Está organizando seus pensamentos, dando nome às suas emoções e, aos poucos, descobrindo padrões que moldam o jeito como você age ou sofre. O terapeuta, com sua escuta treinada e sua posição externa ao seu sistema, te guia nesse processo, ajudando a enxergar conexões que talvez nunca tivessem vindo à tona sozinhas. É como se, ao falar, você estivesse desenhando um mapa do seu mundo interior.
Por exemplo, imagine que você fica ansioso antes de reuniões no trabalho. Ao falar sobre isso na terapia, pode descobrir que essa ansiedade não vem só do medo de errar, mas de algo mais profundo, como uma necessidade de agradar os outros que se formou na infância, dentro do ambiente familiar. O terapeuta, por estar fora desse ambiente e por trabalhar com a transferência, pode te ajudar a perceber como esse padrão se repete nas suas relações atuais e como ele pode ser mudado. Essa descoberta não acontece da noite pro dia, mas é a fala, guiada pelo terapeuta, que te leva até lá.
Quando dizem que a psicanálise é “conversa inútil”, esquecem que o pensamento, o jeito como sentimos, reagimos e vivemos só pode ser acessado por meio das palavras.
Mais do que isso, esquecem que nossos entes queridos, por fazerem parte do ambiente que gerou nosso psiquismo, não conseguem oferecer a perspectiva externa que a terapia proporciona. E, com o vínculo terapêutico formado do zero, a psicanálise usa a transferência para iluminar nossas necessidades de conexão, ajudando a transformar a forma como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos.
Essa conversa terapêutica, longe de ser um papo qualquer, é cuidadosamente construída com técnicas que fazem do ato de falar uma jornada de autoconhecimento e mudança. Falar na terapia é, sim, poderoso, porque é através da fala que a gente se entende, se alivia e, muitas vezes, se reinventa.