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Burnout: Um Chamado à Saúde Mental

Atualizado: 3 de mai.





Como profissional de saúde mental, todos os dias me deparo com pacientes adoecidos pela sobrecarga de trabalho, competição desenfreada, metas abusivas, falta de reconhecimento e ambientes laborais tóxicos. Essas pessoas chegam ao consultório exaustas, com sentimentos de impotência, ansiedade, insônia e, muitas vezes, um profundo senso de fracasso. Esse cenário reflete uma crise crescente de saúde mental, impulsionada, em grande parte, por práticas de má gestão empresarial que negligenciam o bem-estar dos colaboradores. Acolher essa dor exige não apenas empatia, mas uma abordagem estruturada que promova a saúde mental e transforme os ambientes de trabalho.



O Conceito de Burnout na CID-11


A síndrome de burnout, reconhecida como um fenômeno ocupacional desde 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ganhou status de doença ocupacional na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entrou em vigor globalmente em 2022. Na CID-11, o burnout é classificado com o código QD85, no capítulo "Problemas associados ao emprego ou desemprego", sendo definido como um "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso". Suas três características principais são:


  • Exaustão emocional e física: Sensação de cansaço extremo que persiste mesmo após períodos de descanso.


  • Distanciamento mental do trabalho: Sentimentos de cinismo, negativismo ou desinteresse pelas atividades profissionais.


  • Redução da eficácia profissional: Percepção de ineficiência e falta de realização no trabalho.


Essa definição diferencia o burnout de outros transtornos, como depressão ou ansiedade, ao vinculá-lo diretamente ao ambiente laboral. A inclusão na CID-11 reforça a responsabilidade das empresas, uma vez que o adoecimento está intrinsecamente ligado a condições de trabalho inadequadas, como sobrecarga, falta de autonomia e pressões excessivas.


A Contribuição das Empresas para o Adoecimento


A má gestão empresarial é um fator central no aumento dos casos de burnout. Práticas como metas irrealistas, jornadas de trabalho extenuantes, ausência de suporte psicológico e culturas organizacionais que promovem competição predatória criam um ambiente propício ao esgotamento. A conectividade constante, agravada pelo trabalho remoto, também contribui para o chamado "burnout digital", onde os colaboradores sentem-se incapazes de desconectar-se do trabalho, enfrentando uma invasão de sua vida pessoal.


Além disso, a falta de segurança psicológica, a tranquilidade para expressar ideias ou erros sem medo de punições é um agravante. Ambientes que priorizam resultados em detrimento do bem-estar humano frequentemente negligenciam sinais de estresse crônico, como queda de produtividade ou aumento de conflitos interpessoais. O burnout está associado a uma desconexão entre o volume de trabalho, o controle do indivíduo sobre suas tarefas e o reconhecimento recebido, o que reforça a importância de uma gestão ética e preventiva.


Atualizações da NR-1 e a Gestão de Riscos Psicossociais


No Brasil, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata das disposições gerais e gerenciamento de riscos ocupacionais, foi atualizada em 2024 para incluir explicitamente a gestão de riscos psicossociais, com vigência a partir de 2025. Essa revisão determina que as empresas devem identificar, avaliar e mitigar fatores como estresse, assédio moral, sobrecarga de trabalho e outros riscos que impactam a saúde mental dos trabalhadores. A NR-1 agora exige:


  • Avaliação de riscos psicossociais: As empresas devem mapear condições que possam levar ao adoecimento mental, como pressões excessivas ou falta de suporte.


  • Programas preventivos: Implementação de ações como treinamentos, canais de suporte psicológico e políticas de bem-estar.


  • Monitoramento contínuo: Acompanhamento regular do clima organizacional e da saúde mental dos colaboradores, com indicadores claros.


A NR-1 reforça que a responsabilidade pela prevenção do burnout recai sobre os empregadores, que devem criar ambientes laborais saudáveis para evitar passivos trabalhistas e, mais importante, proteger a saúde dos colaboradores.


A Importância da Saúde Mental no Acolhimento da Dor


O acolhimento da dor dos pacientes com burnout vai além do tratamento clínico, que pode incluir psicoterapia, intervenções psicossociais e, em alguns casos, medicação. Envolve reconhecer que o sofrimento é, em grande parte, resultado de condições externas impostas por ambientes de trabalho disfuncionais.

A nova classificação da CID-11 facilita o diagnóstico diferencial, permitindo que os trabalhadores acessem direitos como afastamento pelo INSS, estabilidade provisória e tratamentos adequados no Sistema Único de Saúde (SUS).


No consultório, o acolhimento começa pela escuta ativa, pela validação das experiências do paciente e pela orientação sobre seus direitos. No entanto, a verdadeira mudança depende de uma transformação cultural nas empresas. Investir em saúde mental não é apenas uma questão ética, mas uma estratégia que aumenta a produtividade e fortalece a imagem corporativa. Soluções como programas de bem-estar, flexibilidade de horários e plataformas de suporte, têm se mostrado eficazes na promoção de hábitos saudáveis e na prevenção do burnout.


Conclusão


O burnout, agora formalmente reconhecido como doença ocupacional na CID-11, é um reflexo direto das falhas de gestão empresarial que priorizam resultados em detrimento da saúde mental. As atualizações da NR-1 reforçam a necessidade de uma postura proativa das empresas na prevenção de riscos psicossociais. Como psicóloga clínica, vejo diariamente o impacto devastador da sobrecarga e da competição desmedida na vida dos trabalhadores. Acolher essa dor exige não apenas cuidado individual, mas uma mudança estrutural que coloque a saúde mental no centro das práticas corporativas. Somente assim poderemos construir ambientes de trabalho que promovam bem-estar, produtividade e sustentabilidade.

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