top of page

Estigmatizar Transtornos é Psicofobia, não Arte!

Atualizado: 3 de mai.



Como psicóloga clínica, fiquei absolutamente estarrecida ao ouvir a música "Borderline", de Maiara e Maraisa. A letra é um verdadeiro desserviço à saúde mental, um show de horrores que reforça a psicofobia, distorce o transtorno de personalidade borderline (TPB) e joga no lixo qualquer tentativa de empatia por quem vive com essa condição. Em pleno 2025, é inadmissível que ainda tenhamos que engolir desinformação tão grosseira vinda de pessoas sem formação em saúde mental. Maraisa, você é cantora, não psicóloga! Se quer abordar TPB, estude o DSM-5 ou a CID-11 antes de sair “diagnosticando” por aí. Usar um microfone como credencial para rotular transtornos mentais é irresponsável, perigoso e perpetua estigmas que já deveriam estar superados.


Pessoas com TPB não são “vilãs”, “loucas” ou “ameaças”, como a música insinua. Elas enfrentam um sofrimento profundo, muitas vezes porque amam com uma intensidade que pode ser esmagadora. Esse “amar demais” não é sinônimo de maldade, mas uma luta diária para regular emoções avassaladoras. O estigma disseminado por letras como essa só dificulta que essas pessoas busquem ajuda, por medo de serem julgadas ou rejeitadas. Pior: A música banaliza um transtorno complexo, reduzindo-o a estereótipos sensacionalistas que alimentam preconceitos e afastam a sociedade de uma discussão séria sobre saúde mental.


Análise dos Trechos Problemáticos


🔴 Trecho 1: “Olha aqui eu tenho que abrir seu olho pra esse relacionamento / Nem preciso de CRM pra diagnosticar essa loucura que cê tá vivendo”


▶️ Essa frase é um tapa na cara de qualquer profissional de saúde mental. Sugerir que não é necessário um CRM (registro profissional) para “diagnosticar” é banalizar um processo que exige anos de formação, supervisão e ética. O termo “loucura” é pejorativo, ultrapassado e reforça estigmas históricos contra transtornos mentais. Diagnosticar TPB envolve critérios clínicos rigorosos, não é algo que se faz com base em achismos ou impressões pessoais.


🔴 Trecho 2: “E esse perfil se encaixa numa personalidade borderline / Repara ele te isolou de todo mundo / Não romantiza esse absurdo”


▶️ Aqui, a música associa TPB a comportamentos abusivos, como isolamento social, de forma simplista e equivocada. Embora relacionamentos intensos possam ser um desafio para algumas pessoas com TPB, culpar o transtorno por atitudes abusivas é uma distorção grave. Nem todo comportamento abusivo é decorrente de TPB, e nem toda pessoa com TPB é abusiva. Essa generalização é perigosa e contribui para a demonização de quem já sofre com o estigma.


🔴 Trecho 3: “Ele é instável, ele é intenso, ele é extremo / E nesses casos todo mundo sofre junto”

▶️ Essa descrição reforça o estereótipo de que pessoas com TPB são inerentemente “problemáticas” e causam sofrimento a todos ao seu redor. Sim, a instabilidade emocional é um critério diagnóstico do TPB, mas a música ignora que essas pessoas sofrem mais do que causam sofrimento. Elas enfrentam uma dor interna intensa, muitas vezes amplificada por rejeição social e falta de compreensão. Reduzi-las a “extremas” é desumanizante.


🔴 Trecho 4: “Você não é remédio de maluco / Corre se não você vai afundar junto”

▶️ O termo “maluco” é profundamente ofensivo, psicofóbico e desrespeitoso. Chamar alguém com TPB de “maluco” desumaniza e ignora o sofrimento real por trás do transtorno. Além disso, sugerir que a pessoa com TPB é uma ameaça da qual se deve “correr” alimenta o medo e o isolamento social de quem já enfrenta estigma diariamente. Isso é irresponsável, especialmente vindo de figuras públicas com grande alcance.


Questões Polêmicas Amplificadas


  1. Irresponsabilidade de Figuras Públicas: Maiara e Maraisa, como artistas com milhões de seguidores, têm uma responsabilidade social que não pode ser ignorada. Usar um transtorno mental como enredo de uma música pop, sem embasamento técnico, é um desserviço que pode influenciar negativamente a percepção pública sobre saúde mental. Por que, em 2025, ainda permitimos que celebridades usem temas tão sérios como pano de fundo para entretenimento barato?


  2. Exploração Sensacionalista: A música parece capitalizar o termo “borderline” por sua sonoridade dramática, sem qualquer compromisso com a verdade. Isso levanta a questão: até que ponto a indústria musical está disposta a explorar transtornos mentais para gerar polêmica e streams, sem se importar com as consequências para pessoas reais?


  3. Impacto nas Pessoas com TPB: Estudos mostram que o estigma é uma das maiores barreiras para que pessoas com transtornos mentais busquem tratamento. Letras como essa reforçam a ideia de que quem tem TPB é “perigoso” ou “indesejável”, o que pode aumentar taxas de suicídio e automutilação, comportamentos já associados ao transtorno. Quem assume a responsabilidade por esse impacto?


  4. Silenciamento da Comunidade Acadêmica: Enquanto profissionais de saúde mental lutam para educar a sociedade sobre transtornos como o TPB, músicas como essa minam esse trabalho com desinformação. Por que a voz de artistas sem formação é amplificada acima da de especialistas? Isso reflete um problema maior de valorização do conhecimento científico.


  5. Machismo Velado na Letra: A música parece direcionar o rótulo de “borderline” a um homem, mas reforça estereótipos de gênero ao associar intensidade emocional a algo patológico. Por que emoções intensas, frequentemente associadas ao feminino, são patologizadas e ridicularizadas, enquanto a racionalidade é exaltada?


  6. Falta de Retratação: Segundo informações da mídia, quatro pessoas, incluindo Maraisa, escreveram a letra. Até o momento, não houve retratação ou tentativa de diálogo com a comunidade de saúde mental. Isso levanta a questão: figuras públicas devem ser cobradas por suas falas problemáticas, ou o “direito artístico” justifica qualquer dano causado?


Um Retrocesso Inaceitável


Músicas como "Borderline" são um retrocesso em um mundo que deveria estar avançando rumo à empatia e à informação. Elas não apenas desinformam, mas também dificultam que pessoas com TPB busquem ajuda, por medo de serem julgadas como “loucas” ou “perigosas”. Saúde mental não é palco para leigos, e transtornos mentais não são enredo de novela. Chega de amadorismo em temas sérios! Precisamos de responsabilidade, respeito e diálogo, não de mais psicofobia.


É hora de cobrar responsabilidade de artistas e da indústria cultural. Até quando vamos tolerar que figuras públicas usem transtornos mentais como narrativa sem embasamento? Precisamos de empatia, informação e, acima de tudo, respeito por quem vive com TPB e outros transtornos mentais.

bottom of page