Por que fantasiar sobre sexo é muitas vezes mais excitante do que a experiência real?
- Juliana Myrian
- 10 de jun.
- 4 min de leitura
Diariamente meus pacientes relatam um incômodo ao perceberem que há uma diferença entre desejo e a conquista desse desejo. Nos relatos os mesmos questionamentos: "Por que eu fantasio algo e na hora de realizar, não sai exatamente como fantasiei?"
O desejo é uma força motriz poderosa, capaz de impulsionar ações, moldar sonhos e orientar escolhas. Contudo, a realização do desejo, ou seja, a conquista daquilo que almejamos, nem sempre carrega a mesma potência emocional que atribuímos ao desejo em sua forma idealizada. Frequentemente, ao concretizar um anseio, percebemos uma discrepância entre a expectativa e a realidade, o que pode gerar frustração ou uma sensação de vazio. Este fenômeno, analisado sob a perspectiva cognitiva, revela como processos mentais, como a idealização e a atribuição de significados, influenciam a experiência do desejo e sua concretização, especialmente em contextos como os desejos sexuais.
Do ponto de vista cognitivo, o desejo é construído e amplificado por processos como a imaginação, a antecipação e a atribuição de valor. Quando desejamos algo, nossa mente cria uma representação idealizada desse objeto ou experiência, frequentemente desprovida das limitações práticas da realidade. Essa idealização ocorre porque o cérebro, ao simular o futuro, tende a focar nos aspectos positivos, minimizando potenciais obstáculos ou imperfeições. Por exemplo, ao desejar uma promoção no trabalho, imaginamos o sucesso, o reconhecimento e a satisfação, mas raramente consideramos as pressões adicionais ou a rotina exaustiva que podem acompanhá-la.
A potência do desejo é intensificada pelo chamado "viés de otimismo", um mecanismo cognitivo que nos leva a superestimar os benefícios de alcançar um objetivo e subestimar os desafios. Além disso, a dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa, é liberada em maior quantidade durante a antecipação do desejo, o que reforça sua intensidade emocional. Assim, o desejo, em sua forma abstrata, torna-se um constructo mental quase perfeito, livre das fricções do mundo real.
O Pensamento como Ensaio da Ação: A Perspectiva Freudiana
A frase de Sigmund Freud, "O pensamento é o ensaio da ação", ilumina a dinâmica entre desejo e conquista. Para Freud, o pensamento, especialmente no campo das fantasias e desejos, funciona como uma preparação mental para a ação, um espaço seguro onde exploramos possibilidades sem as consequências do mundo real. No contexto cognitivo, esse "ensaio" ocorre na idealização do desejo, onde a mente constrói cenários perfeitos que alimentam a motivação. Contudo, quando o pensamento se traduz em ação, a realidade impõe limites que o ensaio mental não antecipou. Essa transição do pensamento à ação revela por que a conquista pode perder potência: o ensaio, livre de falhas, é inerentemente mais fluido e gratificante do que a ação, que enfrenta resistências práticas e imperfeições. Assim, a frase de Freud sublinha a tensão entre a liberdade do desejo imaginado e as restrições da sua realização.
A Conquista e a Perda de Potência: Quando a Realidade Confronta a Idealização
Ao concretizar um desejo, a experiência real entra em contato com a idealização, e é nesse confronto que muitas vezes surge a decepção. A psicologia cognitiva explica esse fenômeno por meio da "dissonância cognitiva", que ocorre quando há um conflito entre o que esperamos e o que vivenciamos. A realidade, com suas imperfeições, raramente corresponde à imagem idealizada que construímos. Por exemplo, ao conquistar um relacionamento tão desejado, podemos nos deparar com conflitos, inseguranças ou rotinas que não prevíamos, o que diminui a potência emocional inicialmente associada ao desejo.
Outro fator é a habituação: quando alcançamos algo, o cérebro tende a se acostumar rapidamente, reduzindo a liberação de dopamina e, consequentemente, o impacto emocional. Esse processo, conhecido como "adaptação hedônica", explica por que a conquista, após o êxtase inicial, pode parecer menos gratificante do que o anseio que a precedeu. Assim, a realização do desejo, ao se materializar, perde a aura de perfeição que só existia na imaginação.
Desejos Sexuais: A Idealização que Amplifica e a Realidade que Limita
Os desejos sexuais são um exemplo paradigmático dessa dinâmica. Na fantasia, o desejo sexual é moldado por imagens idealizadas, livres de constrangimentos físicos, emocionais ou sociais. Ao imaginar uma experiência sexual, a mente foca em cenários perfeitos, com parceiros ideais, performances impecáveis e prazer contínuo. Esse processo é amplificado pela ausência de barreiras práticas, como inseguranças, desconfortos físicos ou dinâmicas interpessoais complexas.
Quando colocamos esses desejos em prática, no entanto, a realidade impõe limitações. A experiência pode ser afetada por fatores como cansaço, falta de sincronia com o parceiro, ou até mesmo a pressão para corresponder às expectativas idealizadas. Do ponto de vista cognitivo, a mente compara constantemente a vivência real com a fantasia, e qualquer discrepância pode gerar frustração. Além disso, a antecipação do prazer sexual, que ativa intensamente o sistema de recompensa cerebral, é frequentemente mais intensa do que a experiência em si, devido à habituação mencionada anteriormente.
Essa diferença também está ligada à forma como o cérebro processa novidade. Fantasias sexuais são inerentemente novas e mutáveis, enquanto a prática, mesmo que prazerosa, pode se tornar previsível com o tempo. Assim, o desejo sexual idealizado mantém uma potência que a realização, por mais satisfatória que seja, raramente sustenta a longo prazo.
Abraçando a Imperfeição da Conquista
A diferença entre desejo e conquista reflete a tensão entre a imaginação humana e a realidade. O desejo ganha potência por meio da idealização, alimentada por processos cognitivos como a antecipação e o viés de otimismo, enquanto a conquista, ao se materializar, revela as imperfeições inerentes à experiência concreta. No caso dos desejos sexuais, essa dinâmica é ainda mais evidente, pois a fantasia opera sem limites, mas a prática é moldada por fatores humanos e contextuais.
Compreender essa discrepância, sob a perspectiva cognitiva, nos convida a recalibrar nossas expectativas e a valorizar a beleza das conquistas, mesmo com suas limitações. Afinal, é na imperfeição da realidade que encontramos espaço para crescer, aprender e transformar o desejo em um motor contínuo de autodescoberta.





