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TODA CRENÇA É LIMITANTE ?


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Se abandonarmos toda certeza, até as palavras de um iluminado, quem somos? 


Jesus, ao dizer “Vós sois deuses” (João 10:34), aponta para a centelha divina em nós, e em João 8:32 proclama: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, sugerindo que a verdade transcende as crenças que nos aprisionam, mas crer que já a possuímos plenamente pode nos cegar. 


Na Bhagavad Gita, Krishna aconselha Arjuna a transcender as dualidades e apegos, afirmando: “Aquele que vê o Atman em todos os seres e todos os seres no Atman, esse vê verdadeiramente” (Gita 6:29). Para Krishna, as crenças baseadas em distinções ilusórias limitam a percepção do Atman, a essência universal que une tudo ao divino. 


Acreditar que se sabe a verdade última é um véu que obscurece essa unidade. 


Descartes, com o “Penso, logo existo”, encontra no pensamento a única verdade inquestionável, mas qualquer crença além disso sobre o mundo, o divino ou a existência constrói uma estrutura que limita o ilimitado.


Cada ideia que adotamos molda a realidade, mas exclui o que não se encaixa nela. Acreditar que se sabe anula a oportunidade de saber, pois a certeza fecha as portas à dúvida que revela.


Os gregos, como Sócrates, usavam a dúvida para desmantelar crenças frágeis. 

Com a maiêutica, ele expunha a fragilidade das opiniões não examinadas, mostrando que o apego a certezas bloqueia a verdade.


Platão, na alegoria da caverna, via as crenças como sombras que prendem a mente ao mundo sensível, afastando-a das Formas imutáveis.


Aristóteles, por sua vez, via as crenças como construções práticas da razão, mas alertava que o excesso de confiança nelas poderia obscurecer a busca pelo eidos, a essência última das coisas.


Santo Agostinho via a fé como um farol para a verdade divina. Crer em um Deus único era, para ele, o alicerce do entendimento, mas essa escolha rejeita visões como o panteísmo ou o ceticismo. É uma luz que guia, mas ofusca o que não ilumina. A certeza absoluta na fé pode anular a humildade de buscar a verdade libertadora que Jesus promete, mesmo que sejamos “deuses” em potencial.


Tomás de Aquino harmoniza fé e razão, mas reconhece seus limites. Crenças, mesmo as mais racionais, filtram a realidade. Assumir um cosmos ordenado por Deus pode silenciar perguntas sobre um universo sem propósito. São mapas úteis, mas finitos. Acreditar que se sabe a ordem do todo é fechar os olhos às possibilidades que escapam ao mapa, incluindo a divindade que Jesus sugere habitar em nós.


Buda, com sua exortação “Não se apeguem às minhas palavras, e não se deixem enganar por elas. Testemunhem por vocês mesmos o que é verdadeiro” eleva a dúvida a um princípio libertador. Para ele, crenças são apegos que ancoram a mente à ilusão, afastando-a do shunyata, o vazio que revela a impermanência.


Acreditar que se sabe é um obstáculo; a verdadeira sabedoria está na investigação direta, livre de conceitos que prometem certeza, ecoando a liberdade prometida por Jesus ao conhecer a verdade.


O taoísmo, com o Wu Wei, rejeita dogmas que interrompem o fluxo do Tao. Laozi, em sua sabedoria, ensina que “aquele que sabe não fala; aquele que fala não sabe” (Tao Te Ching, 56), sugerindo que as crenças fixas são barreiras que bloqueiam a harmonia espontânea com o universo.


A sabedoria reside em fluir sem se prender a ideias rígidas, pois crer que se sabe rompe a dança natural com o real, mesmo que esse real inclua a divindade que nos permeia.


O hinduísmo, nas Upanishads, aponta o Brahman como a realidade além de toda conceituação. Crenças, como o dharma ou a devoção, são caminhos práticos, mas a maya (ilusão) revela que elas obscurecem a unidade do absoluto.


Krishna, na Gita, reforça isso, ensinando que o apego a crenças finitas, como papéis ou desejos, impede a visão do Atman eterno. Acreditar que se conhece o Brahman é limitar o ilimitado; são degraus que elevam, mas não capturam o infinito.


No pensamento moderno, Kant argumenta que nossas crenças são moldadas pelos limites da percepção humana, estruturadas por categorias como espaço e tempo. Crer que conhecemos a realidade em si, o noumeno, é uma ilusão; nossas crenças são apenas fenômenos, limitados pela mente.


Nietzsche, por outro lado, via as crenças como “vontades de poder”, ferramentas para impor sentido ao caos, mas alertava que se apegar a elas como verdades absolutas é uma forma de autoengano que sufoca a criatividade e a liberdade.


Na psicanálise, Freud via as crenças, especialmente as religiosas, como projeções de desejos inconscientes, mecanismos de defesa contra a angústia da incerteza. Crer que se sabe, para ele, é uma ilusão que conforta, mas limita o confronto com o inconsciente, onde residem verdades mais profundas e inquietantes. 


Jung, por sua vez, enxergava as crenças como expressões de arquétipos, símbolos que conectam o indivíduo ao inconsciente coletivo. No entanto, ele alertava que se identificar completamente com uma crença é perder o contato com o Self, a totalidade psíquica que transcende qualquer dogma. 


Lacan sugeriu que as crenças são estruturadas pelo “Outro”, o sistema simbólico que molda nossa realidade, mas crer que esse sistema é a verdade absoluta é permanecer preso à ilusão do significante, afastando-nos do Real, que escapa a toda representação.


Crenças são como velas: iluminam o instante, mas não o todo. Dos gregos à dúvida cartesiana, da fé cristã de Agostinho e Aquino à fluidez oriental de Laozi e Krishna, até as críticas modernas de Kant, Nietzsche, e os psicanalistas, elas dão forma ao caos, mas limitam. 


A afirmação de Jesus, “Vós sois deuses” e “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, junto ao ensinamento de Krishna sobre o Atman, sugerem que nossa essência é vasta, mas crer que a compreendemos plenamente nos aprisiona. 


Acreditar que se sabe é anular a oportunidade de saber, pois cada certeza é uma lente que focaliza uma parte, nunca o todo. A exortação de Buda para testemunhar a verdade por nós mesmos reforça que a liberdade está em questionar com clareza, soltar as âncoras e navegar o inefável com leveza. Assim, toda crença, por mais elevada, é limitante, pois o infinito, por sua própria natureza, jamais pode ser totalmente compreendido por parcialidades. 


Cada crença, por mais profunda, é apenas um reflexo fugaz do ilimitado.


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